A partir do século XVIII, os folhetos de feira, chamados em
Portugal de "folhas volantes" ou "folhas soltas", passaram
a ser conhecidos também como literatura de cego, devido a uma lei promulgada
por Dom João V, autorizando o comércio dos folhetos pela Irmandade dos Homens
Cegos de Lisboa.
Na Espanha e nos países de língua espanhola da América
Latina, os folhetos de cordel são conhecidos como "pliegos sueltos" e
também são chamados de "hojas" e "corridos". Especialmente
na Argentina, México, Nicarágua e Peru, usando temas semelhantes aos da
literatura de cordel nordestina.
Na Alemanha, com a maior parte do conteúdo em prosa, eram
impressos nas tipografias e vendidos nos mais diversos lugares, como
universidades, igrejas, feiras, mercados, etc., com ilustrações em
xilogravuras. Era comum haver indicação de melodia para o acompanhamento do
folheto em versos.
Há comprovação de que na Holanda do século XVII, havia os
chamados panfletos holandeses, os quais versavam diferentes temas, inclusive
sobre o Brasil, como política, economia e temas militares ou pessoais. Sendo a
maioria em prosa, com diálogos entre personagens, com variável quantidade de
páginas, podendo ser de apenas uma, ou como a maioria, variando de dez a vinte
páginas.
Os registros históricos levam-nos a concluir que a
literatura de cordel trazida ao Brasil pelos portugueses e espanhóis, tem berço
em lugares e tempos mais distantes, como os países da Península Arábica, que
atualmente tem sua divisão política composta por Arábia Saudita, Iêmen, Omã,
Emirados Árabes Unidos, Qatar e Bahrein, além dos países da África do Norte que
compõem o chamado Magreb, composto por Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Saara
Ocidental e Mauritânia. Além de Egito, Síria e outros mais, totalizando hoje 22
países. Depois a própria Península Ibérica, atualmente composta por Portugal,
Espanha, Andorra e Gibraltar (território inglês).
O vocábulo Magreb é proveniente do árabe Mahrib ou Maghrib.
Pode ser traduzido “lugar onde o sol se põe”. Isto porque quando do surgimento
do vocábulo, aquela era a região que se situava mais a ocidente do mundo árabe,
enquanto mais a oriente ficava a região do Iêmen.
Para entendermos um pouco essa lógica, precisamos lembrar
que os mouros, invadiram, dominaram e permaneceram oficialmente na Península
Ibérica a partir do ano de 711 até 1492. Também chamados de mauros ou morenos,
são os árabes berberes, nativos da Mauritânia.
A Alhambra de Granada
Na península Ibérica, com o passar dos anos (quase oito
séculos) o vocábulo mouro passou a ser extensivo a todos os povos árabes.
Encontramos evidências do cordel na Alemanha dos séculos XV
e XVI; França e Inglaterra, entre os séculos XVI e XVII; Portugal e Espanha,
ainda depois da reconquista territorial cristã, para a partir dali, impressos
ou em manuscritos, acompanharem as caravelas para as colônias, como é o nosso
caso.
Os mouros invadiram a Península
Ibérica pelo norte da África
Vale ressaltar que a ausência de mais informações sobre a
poesia moura pelas bandas de cá, deve-se ao fato de que as pesquisas realizadas
por diversos estudiosos tiveram como base, evidências produzidas a partir de
uma cultura forjada sob o domínio imperial da Igreja Católica Apostólica
Romana, que sempre negou ou omitiu, fazendo qüestão de apagar as evidentes
influências muçulmanas, como também as judaicas, embora sejam inqüestionáveis
as fortes raízes do mundo árabe e judeu, fincadas sobre toda a Península
Ibérica e sul da Itália, mais acentuadas na região da Sicília e toda a América
de língua Latina.
Por volta do século XII, o trovadorismo surgiu a partir da
região de Provença, na França, expandindo-se para toda a Europa, inclusive
Espanha e Portugal, tornando-se bastante popular, influenciando as gerações
futuras.
Crescemos aprendendo e acreditando que a literatura de
cordel teve suas origens nos Romances de Cavalaria, na Idade Média, com
evidências encontradas ainda no século XIV, num epígono encontrado num mosteiro
dos monges de Alcobaça, Portugal, que constitui a base ou o prógono do Romance
de Cavalaria Amadis de Gaula ou O Romance de Amadis, como ficou mais conhecido
nas paragens de cá. Sobre a obra, há controvérsias quanto à autoria. Tudo
indica, porém, que o seu autor teria sido mesmo o português João de Lobeira.
Entretanto, ainda nos séculos IX e X, encontramos indícios
dos famosos contos árabes de As Mil e Uma Noites, embora compilados
provavelmente a partir do século XIII, que possuem elementos que podem ter
servido também como fios de uma teia da qual deriva a nossa literatura de
cordel. Por este viés, é certo que os árabes anteciparam-se em séculos aos
europeus com os seus romances de cavalaria. Além disso, a poesia moura foi
registrada a partir do surgimento da escrita árabe, no século VI, já com grande
rigor métrico e perfeição rimática, demonstrados nas feiras e encontros das
tribos beduínas, ocasiões nas quais os povos das tribos negociavam mercadorias
entre si e faziam torneios poéticos de improviso, correspondentes às nossas
cantorias de repente, onde cada poeta cantava as glórias e virtudes do seu
povo, consagrando-se aquele que vencesse o embate.
Por outro lado, chega a ser injusto o posicionamento de
alguns estudiosos que desconsideram a fortíssima influência árabe na Península
Ibérica, apenas por preconceito étnico-religioso. Àqueles que assim agem,
alerto para que passem a observar também por esse prisma, a fim de não contarem
apenas parte da história, manipulada da maneira mais conveniente aos
dominadores.
Sabemos, entretanto, que em sua maioria, os estudiosos têm
contado a história sem a presença moura, porque também caíram na armadilha
estrategicamente montada pelos monarcas, tendo a Igreja Católica como grande
mentora intelectual e executora dos ardis, com os governantes e muitos outros
poderosos como cúmplices e co-autores. Para termos apenas uma idéia, a
inquisição católica acendeu fogueiras no Brasil por mais de quatrocentos anos.
Vale lembrar que entre as chamas das fogueiras havia sempre alguém que não
concordava com os cânones produzidos no Vaticano e na cabeça impune dos seus
prepostos algozes. Assim, sem o devido conhecimento, muitos estudiosos passaram
a repetir as informações que aprenderam, muitas vezes mentirosas, mas que de
tão repetidas, para eles chegaram como verdades.
A versão de que a nossa cantoria de viola, o aboio e também
a embolada descendem diretamente do canto amebeu, uma espécie de desafio improvisado
pelos pastores gregos, introduzido no Latio, e expandido para o restante do
mundo ocidental através do exército romano com suas conquistas, foi a maneira
mais fácil e lógica até certo ponto, de negar a realidade para as gerações
vindouras, posto que, tanto o canto amebeu, quanto a poesia oral dos beduínos,
têm algumas características semelhantes. Os seus poetas cantam e falam das suas
riquezas, das conquistas do seu povo, das coisas do campo e do deserto, dos
costumes, dos animais e das outras coisas da natureza. Assim, enxertando a
história dos territórios conquistados e reconquistados, fazendo-lhes descer
goela abaixo, sistematicamente, que suas origens culturais não têm nada a ver
com aqueles que acabaram de ser “expulsos”, mas sim com a fusão cultural de
povos amigos. Era mais uma forma de sobrepujar o inimigo, negando ao povo a
história real. Os exércitos levavam consigo a presença da Igreja Católica
Apostólica Romana, como irmã siamesa que abençoava os seus soldados, obrigava
os povos conquistados a rezarem conforme o catecismo do papa, conduzindo-os à
fogueira da morte através do terrorismo da inquisição, caso não aceitassem e
professassem o catolicismo como sua religião a partir daquele momento.
Apresentavam-se como proprietários de suas almas e posavam como salvadores do
mundo, apagando e negando às gerações subseqüentes, elementos culturais ou
mesmo quaisquer outros resquícios, religiosos ou não, de outras culturas,
especialmente da cultura dos povos árabes, sendo esses de religião islâmica ou
não, bem como do povo judeu, então considerado inimigo dos cristãos, que antes
foram dominados, mas não expulsos da Península Ibérica, nem foram obrigados a
trocar de religião, durante quase oito séculos de domínio mouro.
Outros estudos reafirmam a influência européia direta sobre
as nossas artes, como literatura e música. A poesia dos trovadores franceses,
espanhóis e principalmente dos portugueses, para depois aparecer no Brasil sob
a verve do nosso poeta baiano Gregório de Matos e pelo padre Domingos Caldas
Barbosa, nos séculos XVII e XVIII, respectivamente, que já se faziam acompanhar
de instrumento musical como a viola que, diga-se de passagem, juntamente com a
rabeca, também têm origem árabe, não européia. Instrumentos que até hoje
acompanham os repentistas ou jograis de cá e de lá. Nordeste brasileiro,
Península Ibérica e mundo árabe.
As afirmações acima são verdadeiras. Todavia, discordo
veementemente quando alguém tenta passar a idéia de que essas influências são
de uma poesia genuinamente européia, de raiz greco-romana, tomando como base o
canto amebeu do qual já falamos, sem sequer citar os quase oitocentos anos de
domínio árabe na Península Ibérica e mais os inúmeros muçulmanos e judeus que
vieram nas expedições e ainda os que permaneceram por terras d’além mar, muitos
como escravos, além das comunidades moçárabes, todos obrigados a viver sob a
pele dos chamados cristãos novos. Convertidos sob a ameaça da fogueira da
inquisição, ou em muitos casos, na ilegalidade. Permanecendo ali por gerações
e, quem sabe, perpetuando-se, embora sob constante ameaça.
O canto beduíno-tuareg chegou para ficar na Península
Ibérica e atravessou o atlântico, nos corações e mentes dos mouros e até mesmo
dos judeus e cristãos que procuravam um lugar para viver em paz, embarcando
juntos em grandes quantidades e em todas as caravelas das expedições que partiram
de lá pra cá.
A cultura árabe foi trazida pelos próprios ibéricos
portugueses e espanhóis que já tinham a alma impregnada pela cultura dos
turbantes, que até hoje encanta e brilha através da poética repentista dos
payadores, no sul do Brasil e demais países sul-americanos, bem como dos
repentistas cantadores, dos vaqueiros aboiadores e cordelistas, que adotaram
formas fixas oriundas do desafio do baião de viola, nos palcos, nas ruas e
praças, nos engenhos, fazendas e nas cantorias de pé-de-parede dos nossos
rincões nordestinos.
Primeira Sinagoga das Américas
(Recife/Pernambuco)
No Brasil, os folhetos chegaram com os colonizadores já no
século XVI, entretanto, só a partir do final do século XVIII e início do século
XIX encontramos registros da poesia popular nordestina, o que quer dizer que
ela existia, mas não era do conhecimento das grandes massas. Ao contrário,
existia porque foi levada e preservada durante séculos pelos que tiveram de
fugir do fogo do inferno que flamejava e ardia nas fogueiras católicas, sendo
obrigados a adentrar os sertões nordestinos, principalmente depois da expulsão
dos holandeses em Pernambuco, que tinham um sistema de governo laico, o que
atraiu muitos árabes e judeus, onde tinham liberdade religiosa, porém a partir
de 1654, ano de expulsão dos holandeses pelas tropas pernambucanas, quem não
fosse cristão, se não fugisse, morreria. Daí, uma nova diáspora. A fuga em
massa dos mais abastados que eram os judeus, partindo de navio para a ilha de
Manhattan, contribuindo para a fundação da cidade de Nova Iorque, deixando para
trás a primeira sinagoga das américas, na Rua dos Judeus, hoje Rua do Bom
Jesus, na cidade do Recife, Pernambuco.
Mas nem todos fugiram para Nova Iorque. Os que partiram
foram os de origem holandesa. Os judeus que ficaram, juntamente com árabes,
muçulmanos ou não, foram obrigados a converter-se ao cristianismo católico,
engrossando o cordão dos cristãos novos. Aqueles que não se converteram tiveram
dois destinos: o primeiro, a fogueira; o segundo, a interiorização,
contribuindo para a colonização, principalmente no sertão e no agreste, nesta
ordem.
Na mesma região paraibana, entre 1840 e 1850 nasceram os
poetas Germano da Lagoa, Romano da Mãe D’água, também conhecido como Francisco
Romano Caluete ou Romano do Teixeira e Silvino Pirauá, por isto, afirma Orlando
Tejo no seu sempre grande Zé Limeira - Poeta do Absurdo, trabalho de fôlego,
sobre a mais autêntica forma de expressão do nosso povo, que a nossa poesia
popular nasceu na Serra do Teixeira.
Na década de 1860 nasceram nomes de grande vulto, como João
Benedito, José Duda e Leandro Gomes de Barros (1865-1918). Depois, já na década
de 1880, vieram Francisco das Chagas Batista, Antônio Batista Guedes, Firmino
Teixeira do Amaral e João Martins de Ataíde. Na década de 1920 houve uma
expansão muito grande da poesia escrita sem que a poesia oral perdesse espaço.
Viu-se o surgimento de muitos poetas, principalmente na região que vai de
Pernambuco até o Ceará, envolvendo a Paraíba e o Rio Grande do Norte.
Leandro e Pirauá publicaram folhetos ainda no final do
século XIX. A esse respeito, há uma citação de prova material na página 33 do
livro “Cordel: Leitores e Ouvintes”, de Ana Maria de Oliveira Galvão. Na Casa
de Rui Barbosa, Rio de Janeiro há um folheto de 1902, publicado em Campina
Grande por Chagas Batista, considerado até bem pouco tempo como o primeiro
folheto de cordel impresso no Brasil. Há também um de Leandro, publicado no
Recife no ano de 1904. Todavia, há notícias de um cordel publicado em 1865,
porém desconheço evidências.
Os folhetos mais conhecidos são impressos em papel jornal,
no de formato de 11x16 cm em média, e de 8 a 64 páginas. As obras com até 16
páginas são normalmente conhecidas como histórias ou estórias e os de 32 até 64
páginas, independente do assunto, são chamados de romances.
A literatura brasileira de cordel tem influência européia
sim, porque foi trazida pelos nossos colonizadores, que não foram apenas
portugueses, especialmente no nordeste, mas principalmente por eles. Mouros e
judeus que vieram da Península Ibérica juntamente com portugueses e espanhóis,
bem como os franceses, holandeses, alemães, ingleses, africanos (muitos com
forte influência moura) e outros povos deram suas contribuições. Entretanto, ao
longo do tempo a poesia popular foi ganhando características próprias e hoje
podemos dizer: é nossa.
A palavra cordel surgiu devido à forma de exposição que se
fazia e ainda se faz dos folhetos para venda (antes também servia para a
secagem), presos e pendurados em cordões barbantes.
Foi em Portugal, no Dicionário Contemporâneo, de Francisco
Caldas (1823-1878), que a palavra “cordel” apareceu pela primeira vez como
vocábulo dicionarizado na língua portuguesa, no ano de 1881.
A literatura de cordel deve ser lida, declamada ou cantada
em voz alta. Tem a narrativa como base, mas também podemos encontrar folhetos
descritivos e didáticos.
Fonte: MECA MORENO- pesquisador, poeta, compositor e colunista da
INTERPOÉTICA.
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